quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Avançar em direção das águas mais profundas

O verbo pensar deriva de pensum, que significa peso, em latim. É por isso que o ato de pensar nos cansa, pois lidamos com pesos. Gastamos muita energia, muitas calorias, ao exercitarmos o pensamento. Pensar também é dificultoso, não é algo simples e fácil. Talvez seja por isso que o mestre Rodin fez o seu Pensador em posição incômoda, a mão apoiando o queixo, e o cotovelo direito apoiado no joelho esquerdo. Experimente ficar nessa posição. Pensar pode começar com um exercício de memória, mas não é apenas revirar o pensado, o instituído, o comum; não se trata de repetir o que já é; o ato de pensar traz o inaugural, o novo, o revolucionário, por isso é difícil.

Pensar algo diferente daquilo que aí está é como nadar contra a correnteza, é como procurar cabelo em ovo; é como tirar leite de pedras. Talvez haja alguns exercícios que possamos fazer para aprendermos a pensar. Poderemos, por exemplo, começar a pentear o cabelo ou escovar os dentes com a mão esquerda, caso sejamos destros; tentar ir aos lugares usando outros caminhos nunca percorridos; singrar os “mares nunca dantes navegados”; ousar experimentar novos sabores, novos perfumes. Que outras atitudes podem ser tomadas?

Na adolescência, tive um professor de matemática, Francisco de Assis, que modificava diariamente a posição dos ponteiros de seu relógio de pulso, de modo que nunca sabíamos a hora quando olhássemos o relógio dele. Ele dizia que fazia aquilo para exercitar a memória e o pensamento quando olhasse as horas, pois era preciso fazer contas mentalmente, aumentando, por exemplo, cinquenta e dois minutos, ou diminuindo uma hora e dezessete minutos. Professor Francisco nos ensinava diferentes modos de resolver um exercício, muitos deles inventados por ele. Meu saudoso professor de filosofia, padre Celso de Carvalho (1913-2000), abotoava seu jaleco, em dias pares, com botões em número ímpar, e vice-versa. Também nunca voltava de um lugar passando pelo mesmo lado da rua. Foi com esse professor que aprendi a ousadia de avançar para águas sempre mais profundas.

Ismar Dias de Matos, presbítero católico, professor de filosofia e cultura religiosa na PUC Minas

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