domingo, 29 de janeiro de 2012

Ser ou ter autoridade?

O cenário do Evangelho do 4º domingo do Tempo Comum (Mc 1, 21-18) é Cafarnaum, “às margens do mar da Galileia, nos confins de Zabulon e Neftali” (Mt 4, 13-14), para onde Jesus se mudara (Mt 9,1). Cafarnaum, em hebraico Kephar Nachûm, é Aldeia da Consolação, ambiente onde aconteceram muitos episódios de destaque (Mt 8,5; Mc 2, 1-3; Lc 7,1-10; Jo 4, 46-54). Foi ali que Jesus chamou os seus primeiros discípulos (Mc 1,16-20), como nos disse o Evangelho do domingo passado, 22 de janeiro.

O Evangelho nos apresenta as pessoas admiradas com a autoridade de Jesus (Mc 1, 22;Lc 4, 32): viam que Ele era diferente dos escribas e fariseus. Estes possuíam poder, algo dado por outro ser humano; Jesus era autoridade, qualidade que existe sem a necessidade de um poder humano-social. Autoridade e poder não são a mesma coisa. Autoridade (Exousía, na lingua grega) significa algo que vem de dentro, que procede da essência, da substância mais íntima. É algo que dificilmente se adquire, mas algo com o qual a pessoa já nasce. Uma pessoa pode ter poder e não ter autoridade; outra pode ter autoridade sem ter poder. Jesus não tinha poder, mas autoridade: ele não pertencia à casta sacerdotal, não era escriba nem fariseu; era um carpinteiro, mas sua autoridade (toqep, em hebraico) excedia em altura, largura e profundidade a de todos os outros profetas e pregadores.

A força da autoridade também passa pelo caminho do coração e do afeto, da conquista amorosa. A autoridade nada tem de arrogância ou de autoritarismo, que estão próximos do abuso de poder. A verdadeira autoridade nunca abusa de sua força, pois um (im) possível abuso seria a negação de sua essência (Ousía).

Na primeira leitura (Dt 18, 15-20) há também a questão da autoridade: Moisés diz ao povo que Deus fará surgir no meio deles um outro profeta semelhante ao próprio Moisés, que não mais conduzirá os hebreus e não entrará na Terra Prometida. A respeito desse profeta, Deus afirma: “Porei em sua boca as minhas palavras e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe mandar”( Dt 18,18). Esse substituto de Moisés será Josué, cujo nome “coincidentemente” possui o mesmo significado do nome de Jesus: “Javé é o salvador”.

Jesus é a Verdade (Jo 14,6), é a Fonte de toda autoridade, que é o próprio Deus (Mt 19, 11). Portanto, quando dizemos no terceiro parágrafo que a etimologia de autoridade é Ex-ousia, a procedência indicada pelo prefixo “ex” nos remete a Deus, princípio de todas as coisas. Ele é a Substância (Ousía) que impregna todos aqueles e aquelas que guiam os irmãos e irmãs em busca de um mundo melhor, mais justo, fraterno e solidário.

Pe. Ismar Dias de Matos, sacerdote da Diocese de Guanhães-MG.
E-mail: p.ismar@pucminas.br

domingo, 8 de janeiro de 2012

A luz que vem do alto

A Escritura Sagrada nos diz em vários lugares que Deus é luz, e diz também que Ele é o Pai das Luzes (Tg 1,17); por isso a grande manifestação do Menino-Deus ao mundo não poderia ser diferente: mostrou-Se primeiramente na luz de uma estrela, a Estrela de Belém (Mt 2, 2.7.10).

A festa da Epifania é isto: a LUZ que vem do ALTO, ou seja, a Luz de Deus brilhando sobre nós. Cientistas, como Keppler, disseram que naquele tempo (ano 747 da fundação de Roma) houve uma conjunção dos planetas Saturno, Júpiter e Marte, o que explicaria o brilho avistado; Orígenes dizia que o brilho visto nos céus fora o de um grande cometa. Contudo, isso não importa. Natural ou teológica, importa-nos o sentido da Luz. O evangelista Mateus fala que uns Magos do Oriente viram a luz da Estrela e reconheceram tratar-se de uma manifestação do Messias (Nm 24,17).

A tradição, desde os séculos VII-VIII, diz os nomes dos Magos e fala que eram astrólogos, astrônomos e também eram reis: Belquior, Baltasar e Gaspar, respectivamente reis da Pérsia, da Arábia, e da Índia. Ofereceram ouro, incenso e mirra ao Deus-Menino, iniciando assim a troca de presentes que fazemos no Natal. O salmo 72 (71), vers. 11, já dizia que todos os reis da terra iriam adorar o Messias (ver também Isaías, 49,7). Ele é o soberano de todos os poderes. Os presentes são provas disso: o Ouro representa a realeza; o Incenso demonstra que o Menino é Sacerdote; a Mirra diz que Ele é Profeta, e sinaliza também a sua morte.

Embora a Luz esteja nos envolvendo o tempo todo, nem todos conseguimos vê-La. João veio dar testemunho da Luz, mas os homens preferiram as trevas (Jo 3, 19). Muitas outras luzes e interesses nos cegam para que não vejamos a verdadeira LUZ. Ouvi o testemunho de um ex-trabalhador das minas de Nova Lima, que um dia chegou bêbado ao trabalho sem o equipamento de proteção: uma faísca de rocha o deixou cego. Anos depois, ele dizia: “quando enxergava, eu era cego; depois que fiquei cego é que passei a enxergar”. O evangelho diz que o rei Herodes não viu a luz da Estrela. E todos os que se comportam como Herodes não podem ver a LUZ, pois já estão repletos de si mesmos, não admitem que algo de bom exista fora deles.

O egoísmo os deixa cegos. Jesus curou vários cegos (Mt 11,5; Lc 7,22). Um deles, conhecido como Cego de Jericó, chegou perto de Jesus e pediu-Lhe: “Senhor, que eu veja”; ou noutra tradução: “Senhor, eu quero ver de novo” (Mc 10,51). Diante de um desejo sincero assim a Epifania acontecerá, com certeza.

Que Deus Se manifeste em sua vida de modo pleno durante o ano de 2012, para que seja uma Epifania constante; que a Sua luz ilumine os seus projetos e os seus caminhos, sempre.

Ismar Dias de Matos, professor de filosofia e cultura religiosa na PUC Minas: p.ismar@pucminas.br

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Vamos a Belém: lugar do pão e da paz!

O evangelho do dia 1º de janeiro de 2012 (Lc 2, 16-21), Solenidade da Santa Mãe de Deus e Dia Mundial da Paz, nos diz que “os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém nascido deitado na manjedoura”.

Sair às pressas é sinal de que algo forte como a alegria e a graça de Deus moviam os caminhantes. Maria, logo após o anúncio de que seria a mãe do Filho de Deus, também saiu às pressas e subiu as montanhas para encontrar-se com sua prima Isabel (Lc 1,39). Dom Antônio Felippe da Cunha, primeiro bispo da diocese de Guanhães, inspirou-se nesse versículo para exercer o episcopado – “Festinans cum Maria” – “com a presteza de Maria”.

Os pastores foram a Belém(Beit –Lehem) que, literalmente, significa “Casa do Pão”. Foram os primeiros a buscar a força do Pão de Deus que desce do céu para dar vida ao mundo (Jo 6,33). Aquele Menino que os pastores contemplaram, ao se tornar adulto, disse de si mesmo: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome, e o que crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 35).

O profeta Miquéias afirmou que de Belém deveria nascer o condutor, o pastor maior de Israel (cf. Mq 5,1). E o Menino nasceu na “manjedoura”, na cocheira, no lugar do gado comer. Nasceu como alimento. Assim os pastores o viram, juntamente com Maria e José (Lc.2, 16).

Ao menino foi dado o nome Jesus (YeSHuaH – Lc 2, 21), que significa “Javé salva” ou simplesmente “Salvador” (Lc 1, 47.69; Lc 2, 11.30). Quando cantamos liturgicamente o “Hosana” (HoSHeaH NaH) estamos pedindo “salvai-nos (SHeaH), por favor (NaH), ó Filho de Davi”. Salvai-nos da fome de Pão, da fome da Palavra! Pedimos, enfim, a completude, o que nos faz viver: a paz (SHaLoM).

Prof. Pe.Ismar Dias de Matos, professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas, em Belo Horizonte-MG.