sábado, 13 de outubro de 2007

EIS-ME AQUI

Feito de terra e vento
Aqui estou
Ainda em rascunho
Quase inútil
Mãos sujas
A alma inteiramente suja
Sombra e silêncio
Nem melhor nem pior que meus companheiros (as)
De existência
Completamente igual
Estupidamente igual
Repartindo gestos e palavras
Pão e poesia
Para o sustento do mundo.
(Ismar Dias de Matos)

Sobre filosofia, corujas e polícias

Filosofia NÃO É o que comumente se chama filosofia de vida, aquilo que praticamente todos têm. As pessoas dizem: eu tenho a minha filosofia e cada um tem a sua.Outros dizem que de filósofo e de louco, todo mundo tem um pouco. Essa sabedoria do cotidiano é válida, mas não é filosofia.
Filosofia NÃO É literatura de AUTO-AJUDA, na qual são dados conselhos e reflexões que, em princípio, servem para mudar a vida das pessoas.
Filosofia também NÃO É aquele tipo de conversa desconexa, sem pé nem cabeça, cheio de palavras difíceis que ninguém entende ou finge entender.
Filosofia NÃO É “viagem na maionese”, como se diz na gíria, e filósofo não é um lunático que diz coisas a esmo, a torto e a direito, e sobre o qual as pessoas comentam: “puxa, esse cara é um filósofo”.
A FILOSOFIA é um fruto de uma árvore chamada SABEDORIA que nasceu na Grécia, 2500 anos atrás. Descontentes das explicações mitológicas, alguns sábios começaram a se perguntar qual era realmente a origem, a causa, de tudo. Estavam em busca da sabedoria. Eles queriam saber o POR QUÊ da existência das coisas, das pessoas e do próprio mundo.
A palavra FILO-SOFIA quer dizer AMIZADE À SABEDORIA, e FILÓSOFO é um amigo, um amante do saber.
* * *
Qual era a verdadeira função do filósofo no dia-a-dia? Desde os primórdios gregos aos dias de hoje, o trabalho filosófico foi o de repensar o quotidiano e transformá-lo em conceitos. As filosofias antiga e medieval preocuparam-se com a investigação da natureza ou essência das coisas ou dos entes; a filosofia moderna centrou-se nas questões da razão e da consciência; na atualidade, a pesquisa orienta-se para a reflexão sobre o significado ou o sentido das manifestações lingüísticas. O foco das preocupações muda conforme a exigência dos tempos.
Georg Wilhelm F. Hegel, um filósofo alemão (1770-1831), disse que o trabalho do filósofo assemelha-se ao vôo noturno da ave de Minerva, a nossa conhecida coruja. Durante o dia, enquanto o sol brilha e muitas coisas acontecem, ela pouco ou nada pode ver. Ao entardecer, quando o sol se põe, ela ensaia seu passeio, como que a rever o que se passou. A noite é propícia à sua visão. Seus olhos enxergam cem vezes mais que os nossos durante a noite. É um olhar profundo e penetrante. Quando nós não somos capazes de enxergar além de nossos narizes, a coruja é capaz de enxergar um pequeno roedor (seu alimento predileto) a cem metros de distância.
O trabalho filosófico é, essencialmente, teórico e não possui, à primeira vista, uma aplicação prática, momentânea, e talvez por isso não seja uma atividade das mais cobiçadas. O olhar filosófico deve ser bastante profundo e tem como objeto a totalidade das coisas e dos fatos. O trabalho do filósofo é o de oferecer condições teóricas para a superação da consciência ingênua (senso comum) e propiciar o desenvolvimento da consciência crítica (analítica), pela qual a experiência vivida se transforme em experiência compreendida (conceito), isto é, se transforme em um saber a respeito dessa experiência.
O trabalho do filósofo assemelha-se ao trabalho da polícia civil, que tem a especialidade de desvendar os crimes; ela não é uma polícia preventiva, como a polícia militar, que usa sua farda para, em tese, prevenir a criminalidade. Cabe à polícia civil averiguar os detalhes da cena do crime para fazer um relatório completo para a Justiça. Cada detalhe, que pode passar despercebido ou sem importância para um cidadão comum, tem uma relevância enorme para um perito policial. O trabalho dele é de extrema validade na montagem do processo que a Ministério Público encaminha ao juiz.
O trabalho do filósofo se parece com o trabalho do médico legista, que, entre outras tarefas, examina cadáveres. Ele é o especialista para detectar a causa mortis de um indivíduo. Ele é capaz de constatar a hora em que a morte se deu e qual foi o motivo do óbito. Dependendo do caso, ele examina pulmões e vísceras, coleta sangue e urina, examina a pele, o couro cabeludo, as unhas, etc. Tudo é importante para o legista. Seu relatório é importantíssimo para a polícia e para a defensoria pública. Muitas companhias de seguro têm estes relatórios como base no momento de liquidar um seguro de vida.
E o que o filósofo tem a ver com tudo isso? Que analogia pode ser feita com seu trabalho e o dos outros profissionais apresentados acima? Seu trabalho é importante para a sociedade?
O filósofo olha o mundo da vida em seus detalhes e em seu conjunto, com um olhar que busca as causas mais profundas pelas quais os fatos se deram e se dão. Analisa os fatos sem emitir juízos ou prognósticos futuros, à semelhança dos policiais e dos legistas. Se, por ventura, emite estes juízos, extrapola suas funções, como o policial ou o legista que pode ser tentado a fazer o papel da justiça.
A ciência tem um papel fundamental na sociedade. Sabemos que a ciência tem as suas diversas especialidades. Cada uma pretende buscar conhecimentos verdadeiros, conquistados com procedimentos rigorosos de pensamento. Cada especialidade deve fazer bem a sua parte para que, juntando os resultados, tenhamos a melhor visão de conjunto possível.
Não se pode dizer que a filosofia é uma ciência, mas uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos. A filosofia se interessa por aquele instante em que o mundo das coisas e o mundo dos seres humanos tornam-se estranhos, espantosos, incompreensíveis e enigmáticos, quando o senso comum e também as ciências já não sabem o que pensar e dizer. A filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. (Prof.Ms. Ismar Dias de Matos)