quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Não dá pra falar só de flores!

No próximo dia 8 de março vamos comemorar o Dia Internacional da Mulher, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1977. A data lembra um massacre de mulheres, em Nova Iorque, em 1857. Naquela ocasião, cerca de 130 mulheres, todas elas tecelãs, reivindicavam melhores condições de trabalho, redução da carga horária de 16 para 10 horas diárias, equiparação de salário com os homens etc. Além de não serem atendidas, foram trancadas dentro da fábrica e ali morreram carbonizadas, vítimas de um incêndio criminoso. Triste memória.

O Dia Internacional da Mulher nos faz pensar, poeticamente, em flores, em carinho, em amor. Mas parece que não há um saldo positivo para comemorarmos nesse dia, pois sabemos que a violência contra as mulheres continua e destrói o pouco que há. Na Amazônia, por exemplo, vivem cerca de 800 mil pessoas na condição de traficadas. Grande parte dessas pessoas são mulheres, adolescentes e jovens, com idade entre 14 e 21 anos, e vivem uma escravidão sexual. O lugar possui tal característica porque ali a pobreza é tamanha e a “mão de obra” tem um baixo custo para os exploradores.

A região Amazônica, com seus milhares de quilômetros de fronteira, tornou-se, infelizmente, um imenso corredor que propicia o tráfico de pessoas. Muitas têm como destino a Europa, onde viverão como escravas sexuais, durante a noite, e, durante o dia, tendo que trabalhar na limpeza e na organização dos estabelecimentos em que trabalham e são mantidas praticamente em regime de cárcere, sempre devendo aos patrões e sem condições de saldar a dívida.

Segundo relatório da Anistia Internacional, o tráfico de pessoas é uma das formas ilegais mais lucrativas do mundo. Estima-se um movimento de 35 bilhões de dólares anuais. As mulheres traficadas entram no país de destino com visto de turista, e a ação da exploração sexual muitas vezes é camuflada nos registros por atividades legais como o agenciamento de modelos, babás, garçonetes ou dançarinas. Uma recente novela do horário nobre de nossa TV mostrou um pouco dessa realidade.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, ao eleger o tema – “Fraternidade e Tráfico Humano” como assunto da Campanha da Fraternidade-2014, compromete-se também em colocar toda a sua estrutura organizacional em prol de estudos e formulação de propostas para o Brasil avançar nacionalmente nas ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas e da exploração sexual de crianças, adolescentes e jovens.

Concluo o meu texto evocando a figura de uma grande mulher: Maria da Penha Maia Fernandes, cearense corajosa, vítima de maus tratos do marido Marco Antônio, que a deixou paraplégica após desferir um tiro em suas costas. Maria da Penha lutou por mais de quinze anos para que a legislação brasileira fizesse uma lei especial que levasse em conta a violência contra a mulher. Foi criada, então, a lei 11.340, que entrou em vigor no dia 22/09/2006, e que leva o nome de “Lei Maria da Penha”.

Muito sangue, muita luta ainda está por vir, até que possamos dizer que “é para a liberdade que Cristo nos libertou”(Gl 5,1). As incontáveis vidas ceifadas até agora não podem ter sido em vão! Queremos poder, sim, nesse Dia Internacional da Mulher, falar de flores, de carinho, de amor, de liberdade. Chega de correntes, de dor, de desamor.

Ismar Dias de Matos, professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas.
E-mail: p.ismar@pucminas.br

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

INTENDENTE CÂMARA E MORRO DO PILAR

INTENDENTE CÂMARA

Intendente Câmara é o nome da usina da USIMINAS, em Ipatinga, em Minas Gerais. Poucos, na verdade, sabem quem foi o Intendente Câmara, cujo nome era Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt Aguiar e Sá, filho de Bernardino Rodrigues Cardoso e Francisca Antonia Xavier de Bitencourt e Sá. Sabe-se que nasceu em Minas Gerais, em 1762, e faleceu na Bahia, 13 de dezembro de 1835.

Estudou Direito e Filosofia, na Universidade de Coimbra, e Mineralogia, na Universidade de Freyberg. Foi engenheiro e político: Intendente dos Diamantes, em Diamantina (até 1822), e Intendente-geral das Minas, senador do Império, de 1827 a 1835. Era Dignitário Honorário da Ordem Imperial do Cruzeiro e Comendador da Ordem de Cristo.


TRABALHOS PUBLICADOS PELO INTENDENTE CÂMARA:

1.Observações feitas por ordem da Real Academia de Lisboa acerca do carvão-de-pedra da Freguesia da Carvoeira. Setembro, 1798.

2.Ensaio de descrição física e econômica da Comarca de Ilhéus, na América - Lisboa, 1789.

3.Dissertação sobre plantas do Brasil que podem dar linho. Lisboa, 1810.

4.Memória mineralógica do terreno mineiro da Comarca de Sabará - MG, oferecido ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

5.Memória de observações físico-econômicas acerca da extração do ouro das minas do Brasil (Inéditas).

6.Tratado de mineração no Brasil (Inédita, em poder da Família do Autor).

7.Memória sobre as minas de chumbo e prata e sobre fundição de ferro por meio de diminuta porção de combustível e por um novo processo (sabe-se apenas que foi escrita em Francês e publicada na Alemanha).

8.Resposta dada à Câmara da cidade da Bahia, à qual consultou Manuel Ferreira Câmara, sobre diferentes quesitos que lhe foram feitos por parte do governador em conseqüência da ordem que para isso tivera de Sua Alteza Real no ano de 1807 (Ministério das Relações Exteriores).

9.Sociedade de agricultura, comércio e indústria da província da Bahia.

10.Primeira sessão a 10 de março de 1832. Discursos do Presidente Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt Aguiar e Sá e do Secretário, etc.

MORRO DO PILAR

Morro do Pilar, antes de ser o nome de um clube social, em Ipatinga, é o nome de uma cidade localizada na Serra do Espinhaço, no conjunto que forma a Serra do Cipó, distando 164 km de Belo Horizonte. Possui uma população urbana de 2.228 habitantes, e uma população rural 1.645 habitantes, que ocupam uma área de 421 km2.

Na cidade, dentro da área urbana, no Bairro Paredão, há um monumento construído para homenagear o Intendente Câmara, responsável pela Instalação da Real Fábrica de Ferro de Morro do Pilar, ou Fábrica do Rei, que foi a primeira do Brasil a fabricar ferro líquido em alto forno. Em estilo moderno executado em 1990, o monumento abriga as ruínas da primeira fábrica de ferro da América do Sul.

Morro do Pilar foi um grande centro de mineração. Existem indícios de atividades em 1701, conforme a tradição. Formada a povoação, em função da exploração do ouro, erigiu-se a primitiva capela sob a invocação de Nossa Senhora do Pilar, mais tarde substituída por um segundo templo que recebeu a benção por provisão em 1789.

O arraial primitivo foi transferido para um plano mais baixo da colina, situando-se nos contrafortes da serra do Espinhaço. A mineração do ouro, fator de origem e desenvolvimento do arraial, já estaria praticamente abandonada em princípios do século XIX, não mais prevalecendo como exploração regular de significado econômico, conforme Valmar Coelho.

Em 1809, o Intendente dos diamantes, Manuel Ferreira da Câmara Bitencourt Aguiar e Sá, deu início a primeira fábrica de ferro do Brasil - a Real Fábrica de Ferro - e que 1814 consegue fabricar ferro líquido. A pioneira fábrica funcionou, em regime de produção mais ou menos regular, de 1814 a cerca de 1830, época em que encerrou suas atividades, de acordo com Carneiro de Mendonça em seu livro "O Intendente Câmara".

As remanescentes ruínas da Real Fábrica de Ferro ainda documentam de modo expressivo o passado arrojado de industrialização. Esta iniciativa marcaria o empreendimento siderúrgico em terras mineiras, e teria apenas em 1921, com a fundação da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira, a sua maior expressão.

Morro do Pilar, nos dias atuais, ocupa-se da produção de cana-de-açúcar, laranja, banana, mandioca e milho, pecuária, além de indústria de transformação e mineração.

Autor: Ismar Dias de Matos, professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas, Associado Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, cadeia 75.
E-mail: p.ismar@pucminas.br

BIBLIOGRAFIA

ÁVILLA, Affonso, GONTIJO, João Marcos Machado, MACHADO, Reinaldo Guedes. Barroco Mineiro - Glossário de arquitetura e ornamentação. Rio de Janeiro: Fundação João Pinheiro/Fundação Roberto Marinho, 1979.

MENDONÇA, Marcos Carneiro de. O Intendente Câmara. São Paulo: Nacional, 1958.

SITES CONSULTADOS EM 30 DE JUNHO DE 2007:

www.vtn.com.br/cidades/cidadeshistoricasminas/diamantina/diamantina.htm

www.tratosculturais.com.br/diamantina/UniVlerCidades/Cidades/morro_do_pilar/area.htm

www.estradareal.org.br/cidad/onde_ir/index.asp?codigo=36&tipo=4%7CCULTURAL&x=36&y=6
http://www.senado.gov.br/sf/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=2094&li=3&lcab=1834-1837&lf=3

http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Ferreira_da_C%C3%A2mara_Bittencourt_Aguiar_e_S%C3%A1

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

BRAZUCA E FULECO ... ORA, BOLAS!

Os torcedores brasileiros escolheram o nome da bola que vai ser usada nos jogos da Copa Mundial de Futebol deste ano 2014, no Brasil, que vai começar no Dia dos Namorados. Dentre os nomes propostos pela FIFA, o escolhido foi Brazuca (77,8% dos votantes), que disseram significar “emoção”, “orgulho” e “boa vontade”. A grafia certa, em Português, seria com “s”, mas para dar um caráter internacional (padrão FIFA), coloca-se o “z” de Brazil, in English.

Quem se lembra do nome da bola da última Copa, na África do Sul? Jabulani, que numa das onze línguas sul-africanas significa “celebrar”. A bola da Copa Alemã (2006) chamou-se Teamgeist, cujo significado é “espírito de equipe”. Jabulani e Teamgeist são nomes bonitos, positivos. Não gostei de Brazuca. Mas isso não tem importância nenhuma.

O professor Pasquale Cipro Neto (Folha de S. Paulo, 13/09/2012, p. C2) também não gostou do nome Brazuca, pois é um termo pejorativo: “Brazuca está para ‘brasileiro’ assim como Portuga está para ‘português’”. E o professor lembra também que o sufixo “uca” está bastante ligado a algo negativo, como, por exemplo, mixuruca, muvuca, maluca,caduca, butuca.

Os brasileiros que moram fora do Brasil são chamados de Brazucas, termo que teria sido inventado por portugueses, em retaliação a Portuga. Nos Estados Unidos, os latino-americanos somos chamados de Cucarachos, ou seja, “baratas”. Oxalá o nome Brazuca ganhe nova semantização e passe a significar, com a magia do futebol, algo positivo.

Também ambientalistas acham positiva a escolha do tatu-bola (Tolypeutes tricinctus) como mascote da Copa, pois pode ser uma oportunidade de divulgar informações sobre essa espécie genuinamente brasileira e alertar para o sério risco de sua extinção. Mas o bichinho ganhou o nome de FULECO. Isso não parece nada engrandecedor para a fauna brasileira! Poderia, simplesmente, ser TATU, pois lembraria o som inglês de Tatoo.

A relação desse tatu com o futebol é o formato de bola que ele adquire ao se defender de predadores. Ao perceber a presença de onças, raposas ou cães, seu corpo se contorce e o animal esconde partes frágeis como o tronco, a cabeça e as patas no interior de uma dura carapaça – que se fecha e fica em formato de bola. Mas, agora, chamar esse pequeno herói de Fuleco, ai meu Deus!

Ismar Dias de Matos, professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas. E-mail: p.ismar@pucminas.br


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

“Quem me vê, vê o Pai.”

O evangelho nos diz que o apóstolo Felipe, ao ouvir Jesus falar sempre do Pai, quis que Esse lhe fosse apresentado: “Mostra-nos o Pai, e isto nos basta”. Mas Jesus lhe respondeu: “Quem me vê, vê o Pai (Jo 14, 6-9). Mais tarde São Paulo escreveu que Jesus “é a imagem visível do Deus invisível” (Cl 1, 15), e n’Ele “habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Cl 2,9).

Podemos imaginar que Felipe tenha ficado, a princípio, um pouco desapontado. Como é possível olhar para Jesus, o Filho, e ver n’Ele o Pai? O que nos possibilita essa visão? O Eterno é imaterial e invisível. Puro Espírito. Ou seja, “por trás” de Jesus não há nada visível, pois Ele é a única imagem sensível do conceito abstrato da Divindade, como disse o Apóstolo. Jesus, ao encarnar-se, assumiu a nossa humanidade, fez-se homem, nasceu de Maria pelo poder do Espírito Santo. Mas o que na verdade importa não é a figura humana de Jesus que alguém tem diante de si, mas sim a mediação do Espírito Santo que faz com que a pessoa possa ver no Filho o Deus Invisível, a Divindade abstrata e universal. Em outras palavras: o conceito de Pai é preenchido pela mediação de um esquema a priori que nos faz ver a realidade sensível de um homem e identificá-la com o conceito de divindade eterna presente em nosso ser.

Ismar Dias de Matos, sacerdote diocesano, professor de filosofia e cultura religiosa na PUC MINAS: p.ismar@pucminas.br

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS SILOGISMOS

1.Os modos do silogismo

Os escolásticos inventaram um sistema mnemônico para designar os modos válidos dos silogismos (do grego, ΣΙΛΛΟΓΙΣΜΟΣ, σιλλογισμοσ, que significa: cálculo composto). A palavra já era empregada por Platão para raciocínio em geral (cf. Teeteto, 186 d) e foi adotada por Aristóteles para indicar o tipo perfeito do raciocínio dedutivo, definido como “um discurso em que, postas algumas coisas, outras derivam necessariamente” (An. Pr., I, 1, 24 b, 18...).

Os escolásticos tiraram das palavras AffIrmo e nEgO os símbolos A-E-I-O para sinalizar as premissas ou proposições: A: afirmativa universal; E: negativa universal; I: afirmativa particular: O: negativa particular.

Asserit A, negat E, verum generaliter ambo;
Asserit I, negat O, sed particulariter ambo.

Por volta de 1250, os escolásticos difundiram os versos Bárbara, Celarent, etc, que já se encontravam nas Summulae de Guilherme de Shyreswood e de Pedro Hispano. As palavras não têm nenhum sentido, isto é, não formam proposições nem períodos. BOCHENSKI (cf. Formale logik, p. 248, verbete silogismo: Citado por CAROSI, Paulo. Curso de filosofia, 2 . ed, .v. I, São Paulo: Paulinas, 1969, p. 353.) afirma que Jorge Scholarios traduziu-os para o grego com palavras que têm sentido.

Note-se que todas as palavras são formadas pelas quatro primeiras consoantes B-C-D-F ; as vogais indicam a quantidade (geral ou particular) e a qualidade (afirmativa ou negativa) das premissas.

1ª figura: Barbara, Celarent, Darii, Ferio;
2ª figura: Cesare, Camestres, Festino, Baroco;
3ª figura: Darapti, Felapton, Disamis, Datisi, Bocardo, Ferison;
4ª figura: Bamalip, Calemes, Dimatis, Fesapo, Fresison.

2. As quatro figuras (ou modelos) silogísticas.
Os termos do silogismo são três: M: termo médio, T: termo maior; e t: termo menor. Verificar a posição do termo médio em cada uma delas, abaixo.

1ª Figura - Termo Médio é sujeito na premissa maior, e predicado na menor.
M – T
t – M
t - T

2ª Figura - Termo Médio é predicado na premissa maior e na menor.
T – M
t – M
t - T

3ª Figura - Termo Médio é sujeito tanto na premissa maior quanto na menor.
M – T
M – t
t - T

4ª Figura - Termo Médio é predicado na premissa menor, e sujeito na maior.
T - M
M – t
t - T

• A primeira premissa chama-se também “premissa maior” ou simplesmente “maior”;
• A segunda premissa chama-se também “premissa menor” ou simplesmente “menor”
• Note-se que na conclusão a posição dos termos menor e maior é sempre a mesma nas 4
figuras ou modelos.
• Os modelos (ou figuras) 1 e 4 são invertidos; idem para os modelos 2 e 3.

3. As oito leis do silogismo (em português e latim)

1. Só podem existir três termos no silogismo: t – T – M;
Terminus esto triplex: medius maiorque minorque.

2. Na conclusão, o t e T não podem ser mais extensos do que nas premissas
Latius hos quam praemissae conclusio non vult.

3. O termo médio (M) não pode entrar na conclusão;
Nequaquam médium capiat conclusio oportet.

4. Ao menos uma vez o M deve ser universal;
Aut semel aut iterum medius generaliter esto.

5. Se ambas as premissas são afirmativas, a conclusão também será afirmativa;
Ambae afirmantes nequeunt generare negantem.

6. De premissas negativas nada se conclui;
Utraque si praemissa neget nihil inde sequetur.

7. A conclusão segue sempre a parte mais frágil, a pior parte;
Peiorem sequitur semper conclusio partem.

8. As premissas não podem sem ambas particulares.
Nil sequitur geminis ex particularibus nunquam.

4. Regras para cada figura:

• 1ª figura ou 1º modelo: A maior deve ser sempre universal.
• 2ª figura ou 2º modelo: Uma das premissas deve ser negativa; a maior deve ser universal.
• 3ª figura ou 3º modelo: A menor deve ser afirmativa; a conclusão deve ser particular.
• 4ª figura ou 4º modelo: Se a maior é afirmativa, a menor deve ser universal; se a menor é afirmativa, a conclusão deve ser particular; se uma das premissas é negativa, a maior deve ser universal.


5. Exercícios de fixação do aprendizado


Questão 01: Examine os silogismos abaixo e escreva a qual figura pertence cada um:

1) O estudo da Lógica é atraente. Figura nº ....................
Ora, todo o estudo da Lógica é bom para a vida.
Logo, o que é bom para a vida é atraente.

2) Nenhum ponto da Lógica é dispensável. Figura nº ..................
Ora, toda coisa ruim é dispensável.
Logo, nenhuma coisa ruim é ponto da Lógica.

3) Nenhum estudante de Lógica é desatento. Figura nº ..................
Ora, algum desconfiado é estudante de Lógica.
Logo, algum desconfiado não é desatento.

4) O estudo da Lógica é importante. Figura nº:...................
Ora, Tudo o que é importante é necessário.
Logo, é necessário o estudo da Lógica.

Questão 02: Assinale, abaixo, a alternativa correta que corresponda à sequência das palavras das figuras de cada silogismo da questão anterior:

a) FERIO – BARBARA – CALEMES – DARII
b) DIMATIS – CESARE – FERIO – DISAMIS
c) DISAMIS – CESARE – FERIO – DIMATIS
d) DISAMIS – FESTINO – BOCARDO – CALEMES
e) CESARE – DISAMIS – FERIO – DIMATIS

Questão 03: Formar 01 (um) silogismo para cada figura em que apareçam as seguintes condições:
a) Para o silogismo da 1ª Figura: a conclusão deve ser afirmativa particular.
b) Para o silogismo da 2ª Figura: a maior deve ser negativa universal.
c) Para o silogismo da 3ª Figura: a menor deve ser afirmativa.
d) Para o silogismo da 4ª Figura: apenas a menor seja afirmativa.

Questão 04 Qual (is) é (são) a (s) figura (s) silogística (s) em que a premissa menor é sempre afirmativa? Quais são as palavras que a ela (s) correspondem?

6. Exemplos de silogismos falsos (brincadeiras)
Obs: Estes silogismos não seguem as leis da Lógica (cf. nº 3, acima)

Deus ajuda quem cedo madruga.
Quem cedo madruga dorme à tarde
Quem dorme à tarde não dorme à noite
Quem não dorme à noite sai na balada
Logo, Deus ajuda quem sai na balada.

Deus é amor.
O amor é cego.
Steve Wonder é cego.
Logo, S. Wonder é Deus.

Disseram-me que não sou ninguém
Ninguém é perfeito
Mas só Deus é perfeito
Logo, eu sou Deus
Logo, eu sou perfeito

Se Steve Wonder é Deus, eu sou Steve Wonder
Meu Deus, eu sou cego

Imagine um pedaço de queijo suíço, daqueles bem cheios de buracos. Quanto mais queijo, mais buracos. Cada buraco ocupa o lugar em que haveria queijo. Assim, quanto mais buraco, menos queijo. Quanto mais queijos mais buracos, e quanto mais buracos, menos queijos. Logo, quanto mais queijo, menos queijo.

Já sei...já sei

O Imperador Dom Pedro II, conforme testemunha dos que o conheceram de perto, tinha um cacoete. Quando lhe anunciavam qualquer novidade, atalhava logo “Já sei... já sei”. Tal cacoete deu motivo de muitas irreverências, como a que segue abaixo, publicada no jornal Gazeta da Tarde (MAGALHÃES JR., Raimundo. O império em chinelos. Edição ilustrada, Editora Civilização Brasileira, São Paulo: 1957, p. 90).

Já sei, já sei! Sabe tudo
o sábio por excelência!
Sabe mais do que a Ciência
e muito mais do que a lei.
Do passado e do presente
fez um estudo profundo,
sabe o futuro do mundo...
Já sei... já sei.


Matemática, Direito,
Escultura, Geografia,
mistérios da Astronomia,
Tudo sabe o nosso Rei!
Conhece o desconhecido!
Sabe tudo e ensina!
É forte na medicina...
Já sei... já sei.


Espiritismo, Comtismo,
África, América, Europa,
o fardamento da tropa...
Túnis, Marrocos... o bey...
Segredos dos alquimistas,
conhecimentos ignotos,
origem dos terremotos...
Já sei... já sei.


Sabe náutica e poesia,
advinha os alfarrábios!
(Silêncio, Mundo, aprendei!)
Catadupas de ciência
em borbotões fumegantes
vão caindo retumbantes...
Já sei... já sei.


O Padre Eterno, invejoso
de uma tal ciência infusa,
Lhe disse, a juízo de escusa,
- Dom Pedro, me sucedei,
Eu vos darei o Universo!
Mas o sábio firme, teso,
respondeu-Lhe com desprezo:
Já sei... já sei.

Sabe a cobrança de impostos,
o movimento das vagas,
o carnaval e as bisnagas...
Tudo sabe o nosso Rei!
Sabe manter os escravos...
É mesmo um sábio... E ignora
o Rumo de barra a fora.
Já sei... já sei.

O regato e o ipê

Autor: Padre Celso de Carvalho (foto),
poeta curvelano-diamantinense (1913-2000).

Ia o regato rolando
ao sol, o dia inteirinho.
E já bem tarde era, quando
viu um ipê no caminho.

No ipê sorria, tão linda
a densa fronde, e tão flava,
que, ao vê-la, de longe ainda,
já o regato sonhava.

Que doce enlevo seria
sentir nas águas cansadas
aquela imagem macia,
desfeita em sombras douradas!

Lentamente sobre a face
da terra a noite desceu,
e antes que ao ipê chegasse
o regato adormeceu.

Tudo silêncio. Nem voo
nem pio de ave no mato.
Que sonhos bons não sonhou
aquela noite o regato!

Mal mal a aurora o desperta,
olha adiante. Mas vê
somente a estrada deserta:
Ficou lá longe o ipê.

A água passou distraída,
os sonhos seus malograram...
E às margens de nossa vida
quantos ipês não ficaram!

Três sentidos de perdão

A palavra PERDÃO aparece centenas de vezes na Bíblia. Vemos, no 1º Testamento, pelo menos três sentidos diferentes de perdão:

1.Saláh: lavar, aspergir = Lev 4,26; 5,10, 1 Rs 8,30; Jer 31, 34. Salmo 51 (50); Lava-me da minha injustiça e purifica-me do meu pecado. Purifica-me com o hissopo e ficarei mais branco do que a neve;
2.Nasáh: levantar, carregar, retirar o pecado; desatar as cordas do jugo = Ex 32, 32 ; Salmo 25, 18; 32,1. No sacramento, o sacerdote nos Ab-solve, nos solta, nos liberta (das amarras, do peso, do jugo do pecado);
3.Kápar / (kipper): fazer expiação, destruir, reconciliação, purificar, voltar-se para (Deus) = Is 6,7 Yom Kippur é a festa judaica do perdão, da reconciliação, e é preparada com uma festa de dez dias.

No pedido do Pai Nosso, “perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores” (Mt 6, 12), a palavra grega dá a ideia de remissão, de um “cancelamento de minhas dívidas”.

A etimologia de PERDÃO é PER-DONUM: o dom elevado ao seu grau extremo, além do jurídico, ou seja mais que sete vezes; infinitamente. “PER”, em latim, é prefixo de intensidade e nos dá a ideia de algo feito de modo extremo e completo. Exemplos: per-manente, per-pétuo, per-feito etc.

O “perdão” não nasce da racionalidade. Perdão é o desejo de reconciliação, de voltar-se para o próximo e para Deus. Podemos dizer que Deus perdoa depois que nós perdoamos?

Perdoar não é esquecer, mas a lembrança da ofensa, depois do perdão, é indolor, como uma cicatriz é indolor. Há a lembrança da lesão, mas não há mais dor.

Pe. Ismar Dias de Matos, professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas.

Padre Lima Vaz e a legitimidade de um pensar cristão

Agradeço-lhes, na pessoa do Padre Jamir Pedro Sobrinho, a gentileza pela escolha de meu nome para participar da VIII Semana Temática Filosófica do Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, de Caratinga. Aqui iniciei, em 1994, meus primeiros voos como professor de Filosofia, a convite do saudoso Mons. Levy de Paula Figueira (+04/02/2010), a quem dedico estas palavras, non solum in memoriam sed et in laudem.

É uma alegria estar aqui neste Seminário, lugar onde são cultivadas, durante anos, sementes do LÓGOS. Aqui, uma única e mesma semente é jogada no solo dos corações destes jovens que cursam Filosofia e Teologia. São dois cotilédones de uma semente única, bipartida: o logos philosophicus e o logos theologicus, que, saídos do chão, apontam para um mesmo horizonte, como se se tratasse do modelo ideonômico de Platão: o logos philosophicus – o que escolhi como objeto de trabalho – é aquele que realiza a tarefa anabática, isto é, faz a penosa experiência da subida de nossa razão ao Transcendente; e o logos theologicus – o que orienta o mais profundo do meu existir – realiza o movimento inverso, katabático, do Transcendente em direção à razão finita do homem. Ambos são, portanto, partes distintas (mas não separadas) de um único LOGOS SPÉRMATOS Transcendente que nos fascina e nos deixa maravilhados.

Com a audácia de um sonhador, iniciei aqui o magistério, visitei outros ares e lugares, e hoje aqui retorno com mais coragem que perícia, com mais projetos que realizações, mas sem medo de sucumbir nesta tentativa de voo, pois além da audácia dos que não conhecem o perigo tenho a meu lado companheiros e amigos, como, por exemplo, o Prof. Maurício Cruz. Direi aqui umas poucas palavras, umas ideias simples, portadoras do desejo único de apresentar uma foto 3X4 de um filósofo brasileiro e apontar caminhos para uma futura pesquisa sobre esse autor escolhido e querido – Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz, SJ, ou talvez – ousadia minha, sonho meu – provocar um estímulo para a leitura dos textos desse filósofo profundo e tão pouco conhecido entre nossos professores. A simplicidade aqui mencionada, sem falsa modéstia, deve-se à falta de engenho e arte do palestrante.

Quando me deparei com o tema desta Semana Filosófica – “O pensamento filosófico cristão no século XX – um tema de atualidade permanente e de atualidade conjuntural – não pude deixar de pensar no entrelaçamento entre FÉ e RAZÃO que acontece na estrutura simbólica de nossa civilização há quase vinte séculos, desde as primeiras gerações de cristãos.

Se hoje falamos em pensamento filosófico cristão é porque uma plêiade enorme de homens vieram antes de nós. Pensemos nos Padres da Igreja, e nos filósofos como Plotino, Agostinho de Hipona, Boécio, Anselmo de Aosta, Tomás de Aquino, para citar apenas as estrelas de primeira grandeza.

Nossa cultura vive, há pelo menos quatro séculos – desde o século XVII – uma viva acerbação da luta da “Ilustração contra a superstição”, da “Luz contra as trevas”, uma polaridade de tensão entre Razão e Fé, fazendo com que dois grandes pontífices – Leão XIII e João Paulo II – produzissem dois textos magistrais que merecem uma atenta reflexão de nossa parte: Aeterni Patris (04-08-1879) e Fides et Ratio (14-09-1998). São os dois maiores textos balizadores do pensamento filosófico cristão.

(Voltarei a falar sobre a polaridade da tensão entre Razão e Fé no final desta palestra).

Creio que o tema de minha palestra – Padre Lima Vaz e a legitimidade de um pensar cristão – se insere perfeitamente no tema central das reflexões dessa VIII Semana – "O pensamento filosófico cristão no século XX" – e tem como justificativa as palavras do próprio Padre Vaz em seu último livro, Raízes da modernidade: em seu texto, ele afirmou situar-se no prolongamento de uma tradição filosófica que reivindica a legitimidade de um pensar especificamente cristão. E ele nos faz uma pergunta provocadora: “pode o estudioso que se professa cristão permanecer dentro desse universo da tradição filosófica ou deve, por honestidade intelectual, emigrar para o campo do fideísmo dogmático, de uma praxeologia voluntarista, da evasão mística ou, simplesmente do sentimento religioso puramente subjetivo?” (Henrique Cláudio de Lima Vaz, Escritos de filosofia VII: Raízes da modernidade, São Paulo: Loyola, 2002, p. 7).

Antes de buscar respostas, permitam que eu lhes fale rapidamente sobre esse filósofo brasileiro, mineiro de Ouro Preto, que nasceu em 24 de agosto de 1921. Estudou no Colégio Arnaldo, de Belo Horizonte, e ingressando na Companhia de Jesus, cursou Filosofia em Nova Friburgo, RJ, e fez Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. Foi ordenado sacerdote em 15 de julho de 1948. Obteve o doutorado em Filosofia, em Roma, com uma tese sobre a dialética e a intuição nos diálogos platônicos da maturidade. Autor de vasta obra filosófica, Padre Vaz exerceu o magistério por quase 50 anos.

De inteligência privilegiada e de excelente preparação filosófica, Padre Vaz possui uma obra que aborda todos os principais campos do saber humano. Seus Escritos de Filosofia, em seis volumes, juntamente com os dois volumes da Antropologia Filosófica, trazem em torno de 5.600 notas bibliográficas, que não são apenas referências bibliográficas, mas preciosos comentários que demonstram conhecimento detalhado da obra referenciada (Carlos Drawin, Padre Vaz: um mestre incomparável, in: MAC DOWELL, João A. Saber filosófico e transcendência. São Paulo: Loyola, 2002, p. 378).

Esse homem singular uniu inteligência e cultura ao desejo de ajudar os alunos a descobrir o fascínio da verdade e o método rigoroso do trabalho intelectual. Orientador da Juventude Estudantil Católica (JEC), da Juventude Universitária Católica (JUC), o sábio jesuíta marcou profundamente a vida de muitos jovens durante os chamados “anos de chumbo” da ditadura militar no Brasil, nos anos 60 do século passado. Padre Vaz atuou ininterruptamente no magistério filosófico universitário, seja na Faculdade de Filosofia da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo (1953–1963), Rio de Janeiro (1975–1981) e Belo Horizonte (1982-2001), seja nos cursos de graduação, mestrado e doutorado do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (1964-1986), da qual recebeu em 2001, o título de Professor Emérito. Faleceu em 23 de maio de 2002.

Vários estudiosos já abordaram o pensamento vazeano em livros e inúmeros artigos. Para citar apenas alguns:
•SANTOS, Pedro Paulo Cristóvão dos. Ética e história, BH, UFMG, 1965;
•GAMBIN, Pedro. História e absoluto no pensamento de H.C de Lima Vaz, Porto Alegre: PUC, 1982 (mestrado);
•SCHMIDT, João Pedro. Teoria e práxis no pensamento de H.C de Lima Vaz. Porto Alegre, UFRGS, 1988 (mestrado).
•CRUZ, Pedro Cunha. O homem e a transcendência no pensamento de H.C de Lima Vaz. Roma. Pontificia Universitá di Santa Croce, 1995 (mestrado).
•SAMPAIO, Rubens Godoy Sampaio. A ontologia da intersubjetividade em Henrique Cláudio de Lima Vaz, Belo Horizonte: UFMG, 1999, (mestrado), trabalho editado com o título “O ser e os outros: um estudo de teoria da intersubjetividade”, São Paulo: Unimarco, 2001.
•SAMPAIO, Rubens Godoy. Metafísica e modernidade: método e estrutura, temas e sistema em Henrique Cláudio de Lima Vaz. Tese doutoral, publicada pela Loyola (São Paulo, 2006):

Cinco são os temas que atravessam os escritos de Lima Vaz: o mundo, o sujeito, a história, a cultura e a transcendência. Estão integrados em um sistema, e são atravessados pela perspectiva da metafísica do existir e pela perspectiva da compreensão genética da modernidade.

O primeiro momento de articulação sistemática desses temas se dá na Antropologia filosófica, na qual foram organizados a partir de uma perspectiva antropológico-personalista que repousa sobre a ideia da unidade da Razão. (SAMPAIO, Rubens. O ser e os outros, p. 11-15).

O tema do mundo obedece a quatro enfoques aprofundados na reflexão sobre a categoria da objetividade: o mundo como “physis” na racionalidade clássica; o mundo como natureza científica na racionalidade empírico-formal; o mundo compreendido a partir da racionalidade fenomenológica, e o mundo dos objetos da racionalidade técnica.

O tema do sujeito, segundo Lima Vaz, já está subjacente ao pensamento de Platão, quando este coloca o problema da natureza da ciência; ao pensamento de Aristóteles, quando este argumenta com o cético na base do princípio de não-contradição; e no pensamento de Tomás de Aquino, quando este fala da reflexão inspirada em Agostinho.

Na filosofia moderna, o problema do sujeito surge com o “eu penso”, cartesiano, e com o “Eu transcendental”, de Kant . Contudo, a noção de sujeito que se apresentou a Lima Vaz como a mais problemática, mais questionante e mais original foi a noção hegeliana de sujeito como conceito, como “Espírito Infinito”, que é atividade, é processo, movimento. E Lima Vaz, a partir da Lógica, de Hegel, pensará o sujeito como expressividade, como se pode comprovar na Antropologia filosófica, nos seus dois volumes.

O tema da história foi tratado através da noção de consciência histórica, que aos poucos foi sendo substituída pelo problema da inteligibilidade histórica, pois a consciência histórica supõe que a história seja inteligível e compreensível pelo sujeito para que ele possa alcançar a consciência histórica. A cultura, obra humana por excelência, é tema presente em toda a obra de Lima Vaz. O tema se desdobra nos temas da intersubjetividade e do ethos. Lima Vaz afirma que não há possibilidade de se pensar uma comunidade humana (lugar do nós) sem pensar juntamente a questão do ethos, patrimônio universal no qual se espelham todos os nossos atos singulares, ganhando sentido positivo ou negativo.

Todos os quatro temas aqui assinalados – o mundo, o sujeito, a história, a cultura – apontam para o quinto tema, a transcendência, apresentado como o fundamento dos discursos sobre o mundo, o sujeito, a história e o sentido da história, bem como o fundamento da comunidade ética e, portanto, do ethos. A transcendência apresenta-se como uma consequência natural de sentido para a história, para o mundo, para a cultura, pois cada uma dessas dimensões é um contínuo desdobrar da expressividade do homem. Ao lado e além da abertura do humano para sua alteridade, há a abertura para o Totalmente Outro, o Absoluto, aquele que dá sentido teleológico ao constante ultrapassar que o homem faz diuturnamente.

Voltando à indagação de Lima Vaz sobre a legitimidade de um pensar cristão, poderíamos fazer uma outra indagação: seria mesmo legítimo e oportuno, além das paredes deste Instituto, falar de um “pensar cristão” após o interdito imposto por Kant sobre o tema da transcendência? Seria essa tarefa possível e legítima após a imensa produção de Feuerbach, Marx, Nietzsche, Freud e outros chamados filósofos da suspeita? Assim indago porque o pensar cristão nos remete à categoria do Absoluto e este parece estar reduzido hoje a uma disjuntiva simples: ou o Absoluto existe como Ser-em-Si, como Aquele que É, isto é, como Ens a Se e como Criador e, então, o homem é nada; ou o homem é artífice real de si mesmo e do seu mundo, e o Absoluto transcendental é uma quimera a ser exorcizada.

Uma das causas da mencionada disjuntiva parece ser o abandono da Metafísica e, com ela, o surgimento de uma ideia da Razão que deu lugar à noção de que tudo é construído pelo homem e de que não há princípio algum fundante ao qual o homem se refira. Na origem desse paradoxo pode-se notar o abandono de um Absoluto trans-mundano e trans-histórico que guiou o homem ocidental na descoberta de si mesmo na sua auto-afirmação como pessoa-inteligência e liberdade.

Muitos daqueles que são chamados a dar respostas, na impossibilidade de enfrentar tal situação interrogante, ou mesmo na falta de coragem para tal, fugiram para o fideísmo, que não é uma reabilitação da metafísica, mas situa-se na esteira imanente da racionalidade moderna. Também muitos são aqueles que, diante da crise da razão moderna (que não mais dá conta de explicar a realidade!), ousam falar de fé, de uma transcendência ética ou religiosa, mas o fazem sem uma reflexão crítica que admita o contraditório. Dizem que a verdade ou a falsidade das afirmações é apenas uma questão de fé, ou seja, deve-se admitir racionalmente a possibilidade de crer em um mundo transcendente, mas a verificação de tal crença não poderá suportar a falsificabilidade, não poderá se submeter ao controle da razão.

Em busca de respostas para as questões existenciais e coetâneas, Lima Vaz buscou e abriu caminhos para se pensar o transcendente divino sem deformá-lo. Para ele, um trabalho filosófico de linha especificamente cristã consiste na re-elaboração contínua das perguntas e respostas que concernem à pertinência recíproca entre a filosofia cristã como passado da filosofia moderna e o universo simbólico das “razões elaboradas e codificadas” no domínio da modernidade. Percebe-se a fidelidade do filósofo às questões de amplitude e seu esforço para transcender os limites do seu tempo, mas sempre a partir da imanência à história vivida, a qual inclui a visão crítica dos limites dessa história. O dever do filósofo, segundo Lima Vaz, é o de realizar um ensaio sempre recomeçado, de forma rememorativa, articulando os problemas do presente àqueles que a tradição nos legou na longa tessitura histórica.

O historiador da Filosofia no Brasil, Jorge Jaime, da Academia Brasileira de Filosofia, intitula o capítulo dedicado ao Padre Vaz “O homem é abertura para o outro e criador da história. A história é liberdade” (História da Filosofia no Brasil, v. 3, p. 279-294. A obra completa é de quatro volumes, publicados pela Editora Vozes, RJ, em co-edição com as Faculdades Salesianos, SP, 2000). Em seu texto, Jorge Jaime nos diz que Lima Vaz tem consciência de que o cristianismo não é apenas uma doutrina, mas um fato. O cristianismo é profundamente fatual e histórico, como se comprova em sua obra de 1968, Ontologia e história. O humanismo cristão é marcado pelo teocentrismo, é um humanismo de encarnação, por ser um humanismo marcado pela ação do homem, pela teleologia do homem na história, pela dimensão temporal e pela transformação do mundo.

Por ser um filósofo conhecedor profundo da História da Filosofia, Lima Vaz não se deixou intimidar pelo interdito moderno e contemporâneo feito à metafísica, pois ela é uma dimensão irrenunciável da filosofia, sob pena de esta deixar de existir. É a metafísica a busca das origens, da radicalidade, das raízes, e o insigne jesuíta, como aqueles que buscam as nascentes dos grandes rios – Amazonas, Nilo, para citar apenas os dois maiores – foi buscar as raízes de seu filosofar em Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Agostinho e Hegel, ensinando-nos que não basta conhecer os rios pelos mapas ou os filósofos pelos manuais. É preciso ir às fontes abundantes – duc in altum! (Lc 5,4) – ou ir às raízes profundas se se quer edificar algo que tenha as características daquilo que vence o tempo presente.

A sociedade contemporânea, examinada e interpretada sob múltiplos aspectos, vem se constituindo dentro de um ambiente de individualismo e caracteriza-se, segundo Lima Vaz, pela fragmentação da imagem do homem; pela compreensão pluriversal do homem; pelo predomínio da relação de objetividade ou da relação instrumental, na sua forma de compreensão explicativa ou tecnocientífica do fato social; pela precariedade do efetivo reconhecimento intersubjetivo, na sua forma universalizada pelo fenômeno da globalização; e ainda pela abrangência da sua crise de sentido. Diante de tal realidade, o projeto filosófico de Lima Vaz é animado por um princípio conceptual unificador das linhas explicativas do fenômeno humano, sem ceder a reducionismos – fideísmo dogmático ou evasão mística, por exemplo – frequentemente encontrados em diversos pensadores. Esse princípio de unidade, para Lima Vaz, está na referência ao Absoluto, como termo intencional da categoria de transcendência.

Fugindo dos reducionismos muito comuns em nosso tempo, o homem vazeano é compreendido como uma unidade triádica aberta ao mundo, aberta ao outro e aberta ao Absoluto, e só assim o homem se realiza plenamente como pessoa. O homem não se reconhece na relação não-recíproca com o mundo-natureza, mas tão-somente em sua relação intencional e recíproca com os outros sujeitos. Ilustrando isso, podemos dizer – se bem entendemos o livro do Gênesis – que Adão-Homem não se reconheceu ao contemplar as maravilhas do Éden, mas só se reconheceu como homem ao contemplar-se em Eva-Mulher: essa, sim, é carne da minha carne, é osso dos meus ossos! (Gn 2, 23).

Esse encontro de pessoas, segundo Lima Vaz, essa relação dual eu-tu, é o elemento fulcral da concepção da história e da sociedade, que, por sua vez, constituem o campo semântico para a compreensão da categoria da intersubjetividade. No entanto, nem a história e nem a sociedade se identificam com o ser do homem e, por isso, o discurso filosófico não pode encontrar o seu termo último no horizonte da comunidade humana. O homem, ser livre e inteligente, não esgota o seu ser no horizonte do mundo e da história: o homem é um ser-para-o-Absoluto (Antropologia filosófica I, p. 239): Fecisti nos ad Te, disse Santo Agostinho. Com João Paulo II poderíamos acrescentar: como poderia ser considerado autêntico um uso da liberdade que se recusa a se abrir àquilo que permite a realização de si mesmo? (Fides et Ratio - FR, 13) ou ainda: “Verdade e liberdade, com efeito, ou caminham juntas, ou juntas miseravelmente perecem “ (FR, 90), disse o pontífice-filósofo.

Para o Padre Vaz, religião e fé não eram algo extrínseco com o qual se relacionava: nelas vivia e delas se alimentava espiritualmente (DRAWIN, Carlos. Síntese, Belo Horizonte, v. 29, n. 94, 2002, p. 151). Vivia naquele ambiente que João Paulo II descreveu como sendo o lugar em que “o intellectus fidei requer o contributo de uma filosofia do ser” (FR 97). Lima Vaz, segundo seus amigos e confrades, não experimentava conflitos interiores a respeito da compatibilidade entre suas convicções religiosas e sua profissão de filósofo e professor de filosofia, pois desde o início guiara-se pela diretriz de Santo Agostinho “crê para entenderes e entende para creres”, como se pode ver nos capítulos II e III da encíclica Fides et Ratio, de João Paulo II. Essa dialética agostiniana entre fé e razão assegurou-lhe uma convivência fecunda entre a fé que professava e a razão que praticava. Seu trabalho filosófico manteve-se rigorosamente dentro das exigências metódicas e doutrinais da razão, e todas as vezes que atingia as fronteiras onde a razão se encontra com a fé essa linha divisória era explicitamente traçada.

A solidez de sua vasta cultura científica e humanística proporcionou ao Padre Vaz uma visão abrangente da teologia cristã, da história e literatura ocidentais, das ciências humanas e naturais. Extraordinária erudição filosófica lhe conferiu um conhecimento invejável do conjunto do pensamento ocidental.

Radicado, portanto, na tradição filosófico-teológico-espiritual cristã, longe de rejeitar a configuração racional que as categorias do pensamento grego deram à experiência neotestamentária, reconheceu neste encontro gerador da civilização ocidental um duplo ganho: para a fé, a possibilidade de justificar-se através de um discurso com pretensão universal; para a razão filosófica, a abertura de horizontes insuspeitados para a compreensão da existência humana. Desde sua tese de doutoramento não deixou de aprofundar o estudo da filosofia grega, facilitado pelo domínio desta língua que lhe assegurava a familiaridade com as obras de Platão e de Aristóteles. Entretanto, foi em autores cristãos que buscou os elementos básicos de sua construção sistemática. Grande admirador de Santo Agostinho e conhecedor profundo da filosofia medieval, identifica as raízes do pensamento moderno nas correntes responsáveis pela desagregação da grande síntese tomasiana. De fato, como afirmou seu confrade jesuíta Paulo Menezes, professor da Universidade Católica de Pernambuco, seu autor predileto de Lima Vaz é, sem dúvida, Tomás de Aquino, mestre insuperado, não porque depois dele a problemática filosófica não tenha atingido profundidades antes impensáveis, mas pela lucidez e equilíbrio de sua abordagem das questões fundamentais, ainda hoje capaz de fecundar a reflexão (Vaz e Tomas de Aquino, in: MAC DOWELL, João A. Saber filosófico, história e transcendência, p. 65-69).

Para encerrar, retomando o tema da VIII Semana de Filosofia ¬– "O pensamento filosófico cristão no século XX" –, embora consideremos o Padre Vaz como um pensador cristão e católico, um “diácono da verdade” (FR, 2) o seu pensamento não pode ser reduzido a “pensamento cristão” e sua filosofia não pode se reduzir a uma “filosofia cristã”. Explico-me: Podemos dizer que há um pensar cristão que considera, dentre outras características, a criação do mundo e a encarnação do Verbo Divino, elementos que os gregos nem sequer suspeitariam serem mencionados. Mas esse pensar cristão, para ser verdadeiro, deve poder se encaixar entre as colunas da razão e, assim construir um edifício sólido que todos reconheçam como válido e no qual todos possam entrar e se reconhecerem. Assim sendo, a reflexão de Lima Vaz, a nosso ver, mesmo partindo de alguém impregnado dos cânones cristãos, segue, contudo, aquela luz fundamental que ilumina todo aquele que se abre ao maravilhar-se do mundo; sua reflexão antropológica, por exemplo, notadamente marcada pela abertura ao transcendental, é de grande valor para o cristianismo e para todos os credos que admitem a existência de um Princípio Criador, mas sua filosofia não é uma ancilla theologiae, pois vai além dos cânones cristãos, mas não contra eles. Mesmo sendo cristão e sacerdote católico, Padre Vaz, ao buscar respostas para as questões do homem de fé ou não, não emigra para o fideísmo dogmático, ou se refugia numa praxeologia voluntarista, ou se evade para uma mística que mascara as questões humanas fundamentais.

Encontramos, sim, em Lima Vaz uma justificativa que legitima um pensar cristão, mas que nele não se fecha, mas vai além dos paradigmas colocados na cultura ocidental pelo fato inquestionável da tradição cristã. Lima Vaz, como todo filósofo, transpõe em conceitos o existir histórico de seus coetâneos, e o faz a partir da razão e da memória ruminada e transformada, transubstanciada no exercício da contemplação e da escrita.

Não busca o filósofo, em seu exercício nada lúdico, apenas as superfícies dos fatos, pois elas, antes de revelarem causas, escondem muitas vezes os sintomas que podem levar às causas que repousam em profundidades antigas, elaboradas por Kant em quatro perguntas fundamentais: o que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar? O que é o homem? (Crítica da razão pura, A 805, B 833; Antropologia filosófica, p. 9) Tais perguntas são feitas por cada ser humano que vem ao mundo, e é a elas que Lima Vaz procurou dar respostas em seu filosofar de quase seis décadas.

Em busca de compreender o momento presente, o momento moderno, “agoral”, ou seja, o nosso tempo, Lima Vaz, aproveitando a chegada da encíclica Fides et Ratio (FR), de João Paulo II, brindou-nos com um excelente comentário, dando-nos luzes para enxergamos na escuridão do túnel.

Em setembro de 1999, no mesmo mês em que João Paulo II publicou a encíclica FR Padre Vaz, numa conferência realizada no Núcleo de Estudos Teológicos (NET), da PUC Minas, analisou o texto pontifício e justificou o seu sentido de atualidade permanente e de atualidade conjuntural. Tentarei fazer, aqui, um resumo daquilo que disse o nosso filósofo. (Henrique C. de Lima Vaz, Metafísica e fé cristã: uma leitura da Fides et Ratio. Síntese, v. 26, nº 86, 1999, p. 293-305)

Disse-nos que uma causa única, necessária e suficiente, agiu decisivamente no sentido da ruptura da meta-analogia entre Fé e Razão: a imanentização da Transcendência e a consequente leitura materialista de Aristóteles feita por Ibn-Rosch (Averróis) no século XII e adotada na Universidades no século XIII, resultou no Nominalismo que, em formas diversas, chegou ao século XVII causando a polaridade de tensão entre as “razões da fé e as razões da razão”.

Não foi o famoso episódio da condenação de Galileu o marco teórico dessa ruptura, mas sim as Regulae ad directionem ingenii (1629), de R. Descartes, pois indicavam os rumos de uma nova ciência ou nova filosofia. O texto cartesiano iniciou o processo teórico da transposição da transcendência real para a transcendência lógica, o que significou a primazia do sujeito sobre o “ser” e soberania matemática no universo intelectual.
Ocorreu também a passagem de uma estrutura teocêntrica para uma estrutura antropocêntrica da Razão. Vieram as metafísicas racionalistas, como a de Kant, um século e meio depois de Descartes.

A imanentização lógica da transcendência tornou inviável a proposição de uma nova meta-analogia entre Fé e Razão. Os dois termos estão em confronto. O lógico é o domínio do operável; a razão moderna é essencialmente operacional, e a operação da razão passa sob o domínio completo do sujeito, dando origem ao processo pretendidamente autônomo e sem fim, designado como “mau-infinito” por Hegel.

Lima Vaz conclui o seu comentário dizendo que, embora a razão moderna avance pela vertente antropocêntrica, a orientação para o pólo transcendente real que está na origem da razão bíblica e da razão grega aparece como tendência irreversível da Razão no sentido mais amplo e aflora aqui e acolá mesmo no seio da razão moderna. Esse não é um problema para ser tratado apenas dentro dos muros dos Institutos superiores ou das Universidades, mas deveria tomar conta de nossas conversas e impregnar nossa cultura.

Eis, portanto, meus caros amigos, algumas pistas deixadas por Padre Vaz e agora trazidas por mim a este Seminário, com simplicidade. Espero ter sido útil, pois assim terá sentido a minha presença.

Muito obrigado pela atenção de todos.

Prof. Pe. Ismar Dias de Matos, PUC Minas.

Caratinga/MG, 05 de outubro de 2010.


UM RESUMO DA FILOSOFIA TOMISTA

Em sua preocupação em harmonizar razão e fé, João Paulo II insistia em recuperar a tradição tomista porque São Tomás, na Idade Média, foi o primeiro pensador a realizar esse trabalho, ressaltando a plena autonomia da razão em face da fé, sem o risco de aceitar a tese da dupla verdade: uma verdade que é própria da razão e outra que é afirmada pela fé, tese sustentada pelos averroístas latinos. Assim, o presente artigo, sem maiores pretensões, deseja apresentar aos alunos do Curso de Filosofia da PUC Minas, algumas pistas para um estudo do pensamento tomista e sugestão de leituras atuais e abalizadas sobre esse tema.
O filósofo jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz, falecido em maio de 2002, durante sua profícua atividade intelectual, antecipou o desejo de João Paulo II, publicando importantes textos atualizando o pensamento de São Tomás.
Embora tenha vivido em um exíguo espaço de tempo, São Tomás de Aquino (1225-1274) produziu uma extensa obra: Comentário sobre as sentenças, Suma contra os gentios e a famosa SumaTeológica. Para que se tenha uma visão geral desse grande pensador, são apresentadas, abaixo, algumas teses que contêm o essencial de sua filosofia teorética, que foram resumidas pelo jesuíta Guido Mattiussi, professor na Universidade Gregoriana, de Roma. Em 1916 a Santa Sé aprovou esse resumo e
a Sagrada Congregação dos Seminários o recomendou aos estudantes. O texto, aqui dividido didaticamente em quatro tópicos, chegou ao autor deste artigo através do Pe. Dr. Celso de Carvalho (1913-2000), professor de Filosofia no Seminário Arquidiocesano de Diamantina, que foi aluno do Padre Mattiussi, em Roma, na década de 1940.

I Metafísica

1. Potência e ato de tal modo dividem o ente, que tudo quanto existe ou é ato puro ou resulta necessariamente de potência e ato como suas partes ou princípios intrínsecos.
2. O ato, como perfeição, só é limitado pela potência, que é capacidade de perfeição. Portanto, na ordem em que há um ato puro ele é necessariamente infinito e único; pelo contrário, onde ele é finito e multíplice, aí ele entra em verdadeira composição com a potência.
3. Por isso, na absoluta razão (conceito, aspecto) do ser mesmo, só Deus é que subsiste, uno e simplicíssimo; tudo o mais que participa do ser tem uma natureza, na qual o ser é contraído; tudo o mais consta de essência e existência como princípios distintos.
4. O ente (denominação que lhe vem do esse ou ser) não é predicado univocamente de Deus e das criaturas, mas não é predicado tampouco equivocamente; mas analogicamente – tanto por analogia de atribuição como pela analogia de proporcionalidade.
5. Além disso, há em toda criatura a composição real de sujeito subsistente com formas acrescentadas secundariamente, isto é, acidentes; essa composição, porém, não poderia ser entendida, se o esse não fosse realmente recebido numa essência distinta.
6. Além de acidente absoluto, existe ainda o relativo (relação ou ad aliquid). Com efeito, embora o ad aliquid não signifique no seu conceito (ratio) exato, algo inerente a algo, tem, frequentemente, sua causa nas coisas reais e, portanto, numa realidade distinta do sujeito.
7. A criatura espiritual é absolutamente simples na sua essência. Resta-lhe, no entanto, uma dupla composição – essência e existência; ou substância e acidentes.

II Somatologia

1. Quanto à criatura corporal, é composta, na sua mesma essência, de potência e ato; tais potência e ato na ordem da essência recebem nomes de matéria e forma.
2. Nenhuma dessas duas partes tem o ser por si nem é produzida ou se corrompe per se, nem é colocada entre os predicamentos a não ser reductive, como princípio substancial.
3. Embora a extensão em partes integrantes acompanhe a natureza corporal, não é a mesma coisa para o corpo ser substância e ser de tal quantidade (quantum). Com efeito, a substância por si mesma (ratione sui) é indivisível, não como ponto mas como algo que está fora da ordem da dimensão; a quantidade, que confere extensão à substância, difere realmente da substância e é um verdadeiro acidente.
4. A matéria marcada pela quantidade é o princípio de individuação, isto é, da distinção numérica (que não pode existir nos puros espíritos) entre dois indivíduos da mesma natureza específica.
5. É também graças à quantidade que um corpo fique circunscritivamente locado e só possa estar, desse modo, em um só lugar, qualquer que seja a potência.
6. A densão dos corpos é bipartida: viventes e não-viventes. Nos viventes, para que no mesmo sujeito existam per se parte movente e parte movida, uma força substancial chamada alma exige uma disposição orgânica ou partes heterogêneas.
7. As almas de ordem vegetal e sensitiva de forma alguma subsistem por si nem são produzidas por si, mas são tão somente por princípio graças ao qual o vivente existe e vive, e – uma vez que dependem totalmente da matéria – corrompido o composto, automaticamente se corrompem per accidens.

III Psicologia

1. Diversamente às almas vegetal e sensitiva, a alma humana subsiste por ela; quando pode ser infundida num corpo suficientemente disposto, é criada por Deus e, por sua natureza, é incorruptível e imortal.
2. Essa alma racional une-se de tal modo ao corpo, que é sua forma substancial única; por ela o homem existe como homem, e animal, e vivente, e corpo, e substância e ente. Portanto ela confere ao homem todo grau essencial de perfeição, além disso comunica ao corpo o ato de ser, graças ao qual ela mesma existe.
3. Brotam da alma humana, como resultados naturais, duas espécies de faculdades: orgânicas e inorgânicas; aquelas (entre as quais estão os sentidos) radicam-se no composto (corpo e alma); estas, só na alma. Portanto, a inteligência é uma faculdade intrinsecamente inorgânica.
4. A faculdade intelectual acompanha (sequitur) necessariamente a imaterialidade, e isso de tal modo que os graus de afastamento da matéria são também os graus da faculdade intelectiva. O objeto adequado da intelecção é o ente comum; mas o objeto próprio da inteligência humana, no estado atual de união (com o corpo) é limitado às qualidades abstraídas das condições materiais, isto é, os universais.
5. Portanto, é das coisas sensíveis que recebemos o conhecimento. Uma vez, porém, que o sensível não seja inteligível em ato, além do intelecto formalmente inteligente, deve-se admitir na alma uma força ativa que abstraia dos fantasmas as espécies inteligíveis.
6. Por essas espécies inteligíveis conhecemos diretamente os universais; é com os sentidos que atingimos as coisas singulares, mas depois também com a inteligência, por analogia e um retorno aos fantasmas chegamos ao conhecimento das realidades espirituais.
7. A vontade segue o intelecto, não o precede; ela deseja necessariamente o que se lhe apresenta como bem que satisfaça o desejo, de toda parte; mas entre os bens que sejam propostos a um juízo mutável, ela escolhe livremente. Portanto a escolha segue-se ao juízo prático último; mas é a vontade que faz que seja juízo último.

IV Teodiceia

1. Que Deus existe, não o percebemos por intuição imediata nem o demonstramos a priori; demonstramo-lo a posteriori, isto é, pelas coisas que foram feitas levando a argumentação dos efeitos para a causa: portanto, parte-se:
a) Das coisas que são movidas mas não podem ser o princípio adequado do seu movimento para o primeiro movente imovido;
b) Do processo das coisas mundanas de causas subordinadas entre si, à Primeira Causa não causada;
c) Das coisas corruptíveis, que indiferentemente se referem ao ser e ao não ser, ao Ser absolutamente necessário;
d) Das coisas que, numa gradação do menos ao mais, segundo diminuídas perfeições de ser, viver e compreender, são, vivem e compreendem, Àquele que é o maximamente vivo, inteligente, vivente e ente;
e) Finalmente, da ordem do universo a uma Inteligência que pôs ordem, dispôs e dirige ao fim as coisas.
2. A essência divina, por identificar-se com a “atualidade exercida” do próprio ser ou por ser o próprio ser subsistente, é-nos proposta, constituída como que no seu conceito (ratione) metafísico; e por isso mesmo dá-nos a razão de sua infinitude na perfeição.
3. Portanto, pela própria pureza do seu ser, Deus se distingue de tudo o que é finito. Daí se conclui:
a) que o mundo não pôde provir d’Ele a não ser por criação;
b) que a virtude criadora, pela qual primeiramente é atingido o ser enquanto ser, nem por milagre é comunicável a qualquer criatura finita;
c) que nenhum agente criado pode influir no ser qualquer efeito que seja senão por uma noção recebida da causa primeira.

Autor: Prof. Pe. Ismar Dias de Matos, PUC Minas. O presente texto é resultado de apontamento de aulas de Filosofia Medieval e faz parte de um artigo do autor “O humanismo filosófico de João Paulo II”, 2005, publicado em: http://www.ismardiasdematos.com.br/joaopaulo.pdf (as referências bibliográficas completas estão nesse site)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Curiosidades da Sagrada Escritura

Texto já publicado em 03/06/2013, às 11:46, em: http://www.portalecclesia.com/2013/06/curiosidades-da-sagrada-escritura.html


O primeiro elemento da criação divina, conforme a Sagrada Escritura, foi a luz, que em hebraico é OR, iniciada com Álef (א). Os significados dessa palavra (OR) são incontáveis. Praticamente tudo aquilo que é bom é também luz. Moisés é luz; Jesus é luz! O Gênesis nos revela: “Deus disse: haja luz, e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas” (1,3-4). Curiosidade: a palavra OR, iniciada com a também muda letra Áin (ע), significa “pele”.

O Gênesis nos diz que Adão e Eva, criados para a imortalidade, tinham a pele coberta de luz (OR). Quando desobedeceram ao Criador e caíram, pelo pecado, descobriram sua fragilidade e se perceberam “nus”. Ou seja, a luz divina que recobria a pele deles desaparecera e aí, então, viram apenas a sua pele (OR). O pecado fez com que se tornassem frágeis, limitados, e expulsos da presença divina. Porém, uma esperança restava ao homem: uma promessa, é (Gn 3,15), que é um protoevangelho a nos apontar uma prefiguração da Virgem Maria, aquela que esmaga a serpente e nos dá o Salvador.

Nas Escrituras, a palavra “Eu” escreve-se “Any”, com a inicial muda Álef (א), que é a primeira letra do abecedário hebraico. Ela é a primeira letra do nome Pai (Áb). Pode-se dizer que o sustentáculo do nosso “Eu” é a força do Criador e Pai. Sem tal força, nós nos tornamos pobres, como diz a Oração litúrgica: “Ó Deus, Sois o amparo dos que em Vós esperam e, sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é santo...” E aqui reside outra curiosidade: a palavra “pobre” também tem a mesma sonoridade de “Eu”: é “Any”; mas seu início é com a letra hebraica Áin (ע).

Tornemo-nos aprendizes constantes da Sagrada Escritura, pois ela é nosso caminho, nosso pão, nossa força. Jesus, Senhor e Cristo, é a Palavra de Vida Eterna, como nos diz o evangelista João (6, 68).



Padre Ismar Dias de Matos, Colunista do Portal Ecclesia, Mestre em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor de filosofia e cultura religiosa na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Entender as Escrituras com o coração

Texto já publicado em 02/05/2013, às 20:28, http://www.portalecclesia.com/2013/05/entender-as-escrituras-com-o-coracao.html

A primeira letra da Torah Hebraica é Beit, que está na palavra Bereshit (que significa “no começo, no princípio); a última letra é Laméd, final da palavra Ishrael. Beit, além de ser a segunda letra do alfabeto hebraico, também significa casa. Vejamos, com a imaginação das crianças, a letra Beit que, com uma pequena diferenciação, também é lida como Veit: ela tem porta, teto e chão, como uma casa: ב

A Palavra de Deus é casa, é refúgio que nos abriga. Casa é seio: Seio de Abraão! Israel é casa. A esposa é casa. A família também é casa. O ser humano é casa, é morada do Espírito (Ruáh). A Arca de Noé (a Igreja) é casa. Jesus é casa. O Universo é Oikós, a grande casa.

A última letra da Torah (Laméd) é a mais alta de todas; parece um camelo; é camelo: לOs sábios que nos ensinam as Escrituras dizem que se uníssemos todas as letras da Torah, da primeira à última, passando no meio delas um fio, como se construíssemos um colar, veríamos que, quando a primeira letra (Beit ou Veit) tocasse a última (Laméd), poderíamos dizer que a última tornou-se, então, a primeira, ao formar o elo; formaríamos, assim, a palavra LeV, que significa, em hebraico, coração (ב ל). “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração” (Dt 6,5), eis o primeiro e grande mandamento.

Apenas o coração, sede da sabedoria, nos dá capacidade para ver e saborear a beleza e o mel que brotam das Sagradas Escrituras. Só se vê bem com o coração, disse Saint-Exupéry. O essencial é invisível aos olhos, ao cérebro, à razão. Sabedoria e sabor têm a mesma raiz. O sábio é aquele que degusta os ensinamentos e depois os transmite.

Conhecer as Escrituras Sagradas, do começo ao fim, é deixar-se impregnar por elas. Que entendamos aqui o verbo conhecer com o significado que lhe deu a Virgem Maria, Mãe de Jesus: “Como vai acontecer isso, se não conheço homem algum? (Lc 1,34). Conhecer algo é deixar-se impregnar ou engravidar-se por ele. O que é conhecido passa, então, a fazer parte de nós, nasce dentro de nós. As Sagradas Escrituras, meditadas dia e noite, devem tornar-se carne de nossa carne.

É preciso estar atento, rezar em todo o tempo, no Espírito (Ef 6,18). Aí poderemos até dormir, pois o sono é necessário ao Corpo-casa. Dormir sem perder o pensamento no(do) Senhor: "Eu durmo, mas meu coração vigia" (Ct 5,2).

Padre Ismar Dias de Matos, Colunista do Portal Ecclesia, Mestre em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor de filosofia e cultura religiosa na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

O épico e o dialético em Grande Sertão: Veredas

A Ilíada e a Odisséia estão entre os principais textos formadores de nossa cultura ocidental. São dois textos épicos e, portanto, inaugurais de nosso Logos cultural. Neles o poeta, como intérprete da memória singular de seu povo, transforma-se em filósofo, coetâneo intérprete da consciência universal e da cultura. O aedo reconduz a consciência, antes dispersa na exterioridade imediata do mundo sensível, à sua espiritualidade, com uma mensagem universal. Ele transmite não a singularidade de suas vivências, mas a dimensão espiritual da consciência realizada no ethos de seu povo.

A epopéia inaugura a palavra como a nova morada do homem. No mundo épico, como diria Hegel, a palavra é a mediadora entre a Natureza e o Absoluto. Podemos dizer que o discurso épico é a exteriorização da consciência através da palavra, que denuncia a emergência do espírito de um povo para além da mítica realização do elemento divino nos elementos naturais. A elaboração do conceito, no plano consciente, é a continuação de um processo que começou desde que o homem balbuciou os primeiros sons.

O texto épico, gestado ao longo de muitos séculos, é o elemento que harmoniza a natureza e o espírito que nela comparece como força divina. A beleza épica da gênese da consciência reside no fato de que a ordenação e a unificação da realidade se processam, agora, sob a égide universalizante do mundo ético. A consciência começa a se configurar como povo, ou seja, como universalidade ética, e é neste sentido que Hegel vai falar de um retorno da consciência a si mesma.

Em nossa literatura, Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, figura como um destes textos inaugurais. Riobaldo Tatarana, o personagem-narrador, nos apresenta a singularidade de suas vivências – o contexto vivido na jagunçagem do sertão – agora universalizadas no romance, em forma de conceitos e valores recriados através de sua narrativa alegórica. Pode-se dizer que o texto rosiano incorpora o ethos no cosmos e é pela mediação deste que a consciência adquire a universalidade ética. Em outras palavras: a particularidade da consciência narrativa de Riobaldo (Jagunço-narrador), inserida no contexto recriado do Cosmos-Sertão, atinge a epopéia de um Ethos Universal. O poeta-filósofo Riobaldo, vivendo o ócio de quem não “mói no asp’ro”, faz uma pausa, simbolizada pelos dois pontos [:] para contar, a partir das “Veredas”, aquilo que ele quer mostrar como “Grande Sertão”, e que está em toda parte. O “Sertão” singular, lugar da existência contingente, torna-se “Grande Sertão” (Cosmos, Universal), através da narrativa que reordena e revaloriza o vivido e lhe dá sentido. Refaz-se, aqui, o movimento da dialética mostrada por Hegel, e que Guimarães Rosa muito bem simbolizou na frase que serve de epígrafe da obra: “o diabo na rua, no meio de redemoinho”.

Ismar Dias de Matos, professor de Filosofia na PUC Minas.

Avançar em direção das águas mais profundas

O verbo pensar deriva de pensum, que significa peso, em latim. É por isso que o ato de pensar nos cansa, pois lidamos com pesos. Gastamos muita energia, muitas calorias, ao exercitarmos o pensamento. Pensar também é dificultoso, não é algo simples e fácil. Talvez seja por isso que o mestre Rodin fez o seu Pensador em posição incômoda, a mão apoiando o queixo, e o cotovelo direito apoiado no joelho esquerdo. Experimente ficar nessa posição. Pensar pode começar com um exercício de memória, mas não é apenas revirar o pensado, o instituído, o comum; não se trata de repetir o que já é; o ato de pensar traz o inaugural, o novo, o revolucionário, por isso é difícil.

Pensar algo diferente daquilo que aí está é como nadar contra a correnteza, é como procurar cabelo em ovo; é como tirar leite de pedras. Talvez haja alguns exercícios que possamos fazer para aprendermos a pensar. Poderemos, por exemplo, começar a pentear o cabelo ou escovar os dentes com a mão esquerda, caso sejamos destros; tentar ir aos lugares usando outros caminhos nunca percorridos; singrar os “mares nunca dantes navegados”; ousar experimentar novos sabores, novos perfumes. Que outras atitudes podem ser tomadas?

Na adolescência, tive um professor de matemática, Francisco de Assis, que modificava diariamente a posição dos ponteiros de seu relógio de pulso, de modo que nunca sabíamos a hora quando olhássemos o relógio dele. Ele dizia que fazia aquilo para exercitar a memória e o pensamento quando olhasse as horas, pois era preciso fazer contas mentalmente, aumentando, por exemplo, cinquenta e dois minutos, ou diminuindo uma hora e dezessete minutos. Professor Francisco nos ensinava diferentes modos de resolver um exercício, muitos deles inventados por ele. Meu saudoso professor de filosofia, padre Celso de Carvalho (1913-2000), abotoava seu jaleco, em dias pares, com botões em número ímpar, e vice-versa. Também nunca voltava de um lugar passando pelo mesmo lado da rua. Foi com esse professor que aprendi a ousadia de avançar para águas sempre mais profundas.

Ismar Dias de Matos, presbítero católico, professor de filosofia e cultura religiosa na PUC Minas

Quaresma e tráfico humano

No próximo dia 5 de março, Quarta-Feira de Cinzas, a Igreja inicia o tempo da Quaresma, um tempo especial que nos faz pensar nos quarenta anos em que o Povo de Deus perambulou pelo deserto em busca da Terra Prometida. As quatro décadas de provações serviram para amadurecer o povo para entrar na Terra da Libertação sem os vícios e os ídolos do cativeiro egípcio. Somente um povo novo, libertado, é capaz de fazer a travessia do cativeiro para a liberdade.

Durante esta Quaresma, a Igreja nos chama a viver a Campanha da Fraternidade (CF), cujo tema, nesse ano, é “Fraternidade e tráfico humano”, e o lema, tirado da carta de São Paulo aos Gálatas (5,1), é: “É para a liberdade que Cristo nos libertou”. O objetivo da CF-2014 é identificar as práticas de tráfico humano em suas várias formas e denunciá-las como violação da dignidade e da liberdade humana, mobilizando cristãos e a sociedade brasileira para erradicar esse mal, com vista ao resgate da vida dos filhos e filhas de Deus.

Sabemos que o tráfico humano é tão antigo quanto a guerra na história da humanidade. O povo da Bíblia, por exemplo, foi escravizado por assírios, babilônios, egípcios etc. Quantas mutilações culturais e religiosas aconteceram? Inúmeras! Os europeus, nos últimos séculos do milênio passado, retiraram de terras africanas, durante vários séculos, milhões de homens e mulheres e os transformaram em peças de trabalho e de luxúria.

O tema da CF é atualíssimo, pois ultimamente os meios de comunicação nos falam de homens e mulheres – brasileiros e estrangeiros – que são submetidos a trabalhos degradantes em nosso território; sabemos também de inúmeros outros seres humanos que são levados para fora do País para serem explorados sexualmente por grupos que só visam o ganho de dinheiro a qualquer custo alheio. Não seria isso uma espécie de tráfico?

Se realmente acreditamos que “é para a liberdade que Cristo nos libertou”, vivamos esta Quaresma atentos a vida e a dignidade humana. É inconcebível a nossa tolerância a atitudes tão desumanas como essas tratadas pela CF. Em se tratando de tecnologia somos tão evoluídos, mas quando o assunto é gente e dignidade humana, ainda somos tão antigos quanto os homens da pedra lascada, infelizmente.

Prof. Pe. Ismar Dias de Matos