segunda-feira, 4 de abril de 2011

Real e imaginário se misturam


O que seríamos sem o socorro do que não existe?” (Paul Valéry, poeta francês).

Por incrível que pareça, aquilo que não existe é muito mais forte do que aquilo que tocamos, do que aquilo que chamamos de real e objetivo. E não falo do Realismo ou do Idealismo dos filósofos. Não falo do Transcendental em sentido tomista ou kantiano. Meu voo é mais baixo. E vou dar apenas dois exemplos simples: um referente ao espaço; outro, ao tempo.
O não-espaço ou não-lugar, ou seja, a utopia exerce muito mais poder em nós do que qualquer topia ou tópica. A utopia, no sentido dado por Thomas Morus (ou seja, a não-topia ou o não-lugar) nos impulsiona (como uma mola), nos atrai (como um ímã), nos alivia da fome, do medo, do cansaço (como um bálsamo). Pela utopia nós vivemos e somos. E, no entanto, ela não é objetiva, palpável. É apenas promessa, emunah, futuro, aposta. É alimento da esperança, própria das religiões.
O não-tempo, a acronia também tem a magia de agir em nós e nos transportar num arrebatamento. Somos levados de volta a um passado vivido ou imaginário. Real e imaginário se misturam. Passado e presente se misturam. “Naquele tempo”, de repente se torna hoje; “era uma vez” também é agora. Acronicamente, o tempo vai e volta, não apenas flui, mas reflui ou flui para dentro de nós, influi e nos influencia.
Seria isso apenas um jogo de palavras? Na verdade, somos feitos de palavras. Uma palavra soou e viemos à luz do tempo. Palavras nos dão ânimo, nos espiritualizam, nos inflam e também nos desinflam. Mais do que de pão, nos alimentamos do que não é palpável, mas audível: sopros de voz, flatus vocis. Palavras... A Bíblia nos diz que Deus é Palavra. Deus é Verbo.
(Ismar Dias de Matos, sacerdote diocesano, professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas. E-mail: p.ismar@pucminas.br)

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